"Vejo na televisão imagens de Nova Orleães batida pelos ventos. Três rapazes abrem os braços enquanto tentam avançar sobre o asfalto molhado de encontro às fortes rajadas - quase voam. Voarão?
(...)
Sempre gostei de temporais. Nem conheço nada mais belo e empolgante do que uma tempestade tropical, com aquela luz de princípio de mundo, chuva grossa e trovoada - excepto certas mulheres.
Sempre me pareceu natural baptizar os furacões com nomes de mulheres.
(...)
Diz-se: as tempestades. Deveria dizer-se 'as furacoas'. Aliás, como a mar (a língua francesa revelou-se neste ponto mais clarividente). Chamar Gustavo a uma furacoa parece-me uma falta de respeito.
(...)
Portanto, gosto de tempestades, e gosto de mulheres que se parecem com tempestades. Diz-se de alguém quando desmaia que perdeu os sentidos.
Tempestades e mulheres produzem em mim um efeito oposto: devolvem-me sentidos. É como abrir os olhos, tendo-os já abertos, e acordar nalgum lugar ainda mais concreto, mais iluminado, mais colorido, do que a realidade. Mais assustador também, é evidente. as tempestades são perigosas. As mulheres que se parecem com tempestades são igualmente perigosas.
(...)
Estendido na cama de um hospital um homem muito velho recorda as mulheres que passaram pela sua vida. Esqueceu o nome de algumas, não consegue reconstruir o rosto de outras, e tudo isso lhe parece agora imperdoável. Foi feliz com várias. Feliz, distraidamente, como são felizes os bois enquanto pastam. Por alguns instantes incomoda-o a ideia de que a felicidade só se consegue alcançar num esforço de desatenção. Descobre depois, com crescente sobressalto, que a mulher de quem se recorda melhor foi uma que veio de longe, que arrasou tudo à sua passagem, e depois desapareceu. A mulher de quem se recorda melhor não lhe trouxe a bonança, muito pelo contrário - trouxe-lhe a tempestade. O velho fecha os olhos e também ele sorri. Foi um tempo em que quase voou."
José Eduardo Agualusa
Pública - 07.09.08
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Sempre gostei de temporais. Nem conheço nada mais belo e empolgante do que uma tempestade tropical, com aquela luz de princípio de mundo, chuva grossa e trovoada - excepto certas mulheres.
Sempre me pareceu natural baptizar os furacões com nomes de mulheres.
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Diz-se: as tempestades. Deveria dizer-se 'as furacoas'. Aliás, como a mar (a língua francesa revelou-se neste ponto mais clarividente). Chamar Gustavo a uma furacoa parece-me uma falta de respeito.
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Portanto, gosto de tempestades, e gosto de mulheres que se parecem com tempestades. Diz-se de alguém quando desmaia que perdeu os sentidos.
Tempestades e mulheres produzem em mim um efeito oposto: devolvem-me sentidos. É como abrir os olhos, tendo-os já abertos, e acordar nalgum lugar ainda mais concreto, mais iluminado, mais colorido, do que a realidade. Mais assustador também, é evidente. as tempestades são perigosas. As mulheres que se parecem com tempestades são igualmente perigosas.
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Estendido na cama de um hospital um homem muito velho recorda as mulheres que passaram pela sua vida. Esqueceu o nome de algumas, não consegue reconstruir o rosto de outras, e tudo isso lhe parece agora imperdoável. Foi feliz com várias. Feliz, distraidamente, como são felizes os bois enquanto pastam. Por alguns instantes incomoda-o a ideia de que a felicidade só se consegue alcançar num esforço de desatenção. Descobre depois, com crescente sobressalto, que a mulher de quem se recorda melhor foi uma que veio de longe, que arrasou tudo à sua passagem, e depois desapareceu. A mulher de quem se recorda melhor não lhe trouxe a bonança, muito pelo contrário - trouxe-lhe a tempestade. O velho fecha os olhos e também ele sorri. Foi um tempo em que quase voou."
José Eduardo Agualusa
Pública - 07.09.08
1 comentário:
apaixonante
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