segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Lá longe

Se dúvida houvesse do cansaço em que tinhamos caído ela toda se dissiparia por eu saber que estava, mesmo tendo-te ali à distância de uma camisa que se quisesse se desabotoava, a imaginar um filme diferente do que dava na televisão e uma música diferente da que usavas para te alienar da arrumação da casa. No fundo quase conseguia palpar outro tecto, quase conseguia saborear outra boca, quase conseguia cheirar outra coisa que não o cheiro barrento do pó suspenso, fruto da tua mania de não comprar swiffer como te recomendei. Tudo isso quase mas não bem. Sempre ao lado como um dos teus cozinhados com pouco sal ou sal a mais.
Pergunto-te. "Sabes a Ana Moura"
Respondes que sim, que tem ela.
Então disse-te que ela tinha uma música em que falava com a mãe e em que dizia que já não tinham fome nem a saudade de a não ter.
Claro que não conhecias. Não era single de passar na rádio nem surgia numa qualquer telenovela. Como havias tu de conhecer.
Então disse-te que também eu me sentia assim. Já não era infeliz mas por outro lado sentia falta desse tempo em que o era. Ao menos aí sentia alguma coisa e não precisava de me alhear da situação. Desfrutava da dor como o Johnny Cash (que também não conhecias) que dizia que se concentrava na dor por ser a única coisa real.
Não perguntaste mais nada porque não percebeste que nunca me percebias e que nesse preciso momento, mesmo estando a falar contigo, estava longe dali a pensar numa música que me dizia mais que tu.
Já não me lembro qual era. Mas tu não conhecias de certeza.

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