quarta-feira, 22 de agosto de 2007

E só a morte nos separou

Escrevi este texto durante o fim-de-semana. Espero que gostem.

Quando o teu pai me ligou eu não soube o que dizer… Um convite para um funeral não é coisa que se espere de alguém que já não vemos há três anos.
Aparentemente morreste. E quem melhor do que eu para receber um convite.
Sabes… os funerais sempre me deram a impressão de serem incrivelmente parecidos com os casamentos. Há as palavras de ocasião, os familiares que já não vemos aos anos e que não param de afirmar quão grandes nós estamos, há as roupas a rigor e por vezes até uns comes e bebes… O mais curioso nisto tudo é que eu já estive quase para casar contigo. A falecida.
E não vou ser um querido só por estares morta. Não vou dizer bem de ti só porque amanhã por esta hora vais ser um monte de cinzas. Nem vou dizer que tenho pena. Um ataque de coração é algo a que gente como tu não devia ter direito… Tudo que fosse melhor que um atropelamento com fracturas expostas do fémur e omoplata direita, fractura com afundamento na parte superior do crânio seguida de duas semanas de coma induzido era lucro. Tu merecias sofrer. Saber que morrerias a qualquer hora e que não irias poder realizar os teus sonhos era o que merecias.
Mas também pode ser a parte fraca e infantil de mim a vir ao de cima. Tu podes-te ter tornado numa grande mulher. Não creio muito nisso já que não vejo ninguém da tua família a chorar baba e ranho e consigo contar os teus amigos com os dedos de uma mão. Mas mesmo assim dou-te o benefício da dúvida. Não sei no que te tornaste durante este tempo.
Isto é o mais parecido com uma carta de amor que escrevi no último ano, daí podes ver a merda que a minha vida tem sido.
Estou a escrever uma carta a uma morta, isto diz bastante sobre a minha sanidade mental.
E se estou aqui neste momento é porque não tenho ninguém à minha espera em casa… isso diz bastante sobre a pessoa que eu sou. Em quem me tornei e o que faço a quem me rodeia.
A verdade é que nunca consegui recuperar da tua perda. Toda a gente que chegou à minha vida depois de ti teve de pagar por coisas que não me fizeram e de que não têm culpa nenhuma. Pensava que já tinhas morrido para mim mas afinal não. Agora que te vejo inertemente deitada nesse caixão tão simples percebo que ressuscitaste coisas que eu pensava já terem sido esquecidas há muito.
Olho para o teu corpo e imagino todas aquelas vezes que te toquei, te amei e consumi. Como adormecia a cheirar o teu cabelo. Como nunca mais beijei lábios tão suaves e delicados.
Porra.
Estou aqui e não te consigo odiar.
Mas hoje consigo pôr um ponto final em ti. Nunca mais te vou ter. Não havendo essa possibilidade posso finalmente seguir em frente com a minha vida.
Não chegamos a ouvir o padre a dizer que só a morte nos separaria mas a verdade é que foi preciso morreres para eu me libertar de ti.
Que possas descansar em paz, minha eterna querida, é tudo o que te desejo.

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